Luz, câmera, ação! “Estamos aqui em mais um Programa do Marcos. E hoje eu vou mostrar para vocês o que acontece quando eu coloco a televisão para desligar durante a novela preferida da mamãe. Ah! E no bate-papo com a vovó, vamos falar da sua infância no Maranhão. Não saia daí. Voltamos depois do intervalo.” Corta! Neste momento o apresentador percebeu que não poderia dar prosseguimento com aquela edição da atração, pois o cenário seria desmontado. A sua mãe tirou a câmera do local, pois precisava utilizá-la para pentear o cabelo. Aliás, me desculpem. Na verdade, era um espelho, que quando estava desocupado se convertia em uma câmera. Ah! Ela também pegou o microfone, digo, o pente. E assim acabou o breve show daquele dia. Mas o que não acabou foi o sonho daquela criança negra da Baixada Fluminense.
Pois é! A televisão fez parte da minha infância. Hoje, com 27 anos, lembro que vi poucas vezes pessoas negras naquela caixa mágica. Eu ficava imaginando como entrar naquele lugar e por falta de referências usava a minha imaginação. O espelho era a câmera, o pente era o microfone, o quarto era o cenário e aquele momento era um sonho. Eu não entendia, mas a minha imaginação foi a minha arma para driblar um problema maior: a falta de representatividade.
A falta de representatividade
Quando a escravidão foi abolida, a ausência de um processo de ressocialização trouxe graves consequências para as próximas gerações do povo negro. Não era mais interessante para o homem branco ter um escravo, pois eles geravam inúmeros custos. Dessa forma, além de reduzir despesas, a abolição da escravidão se tornou uma maneira de aumentar a lucratividade dos mais poderosos. Uma vez libertados, os negros seriam condicionados a trabalhos com baixíssima remuneração e mais tarde alimentariam indústrias. Um ótimo exemplo é a indústria do transporte, que enriquece até hoje a partir do afastamento dos que têm menos poder aquisitivo às margens das metrópoles. Daí o termo marginal.
Essa marginalização acompanhou o “desenvolvimento” da sociedade. Em 19xx, o Brasil conheceu o rádio. Em 1950, foi a vez da televisão. E nesses meios de comunicação de massa, os negros quase inexistiam. No país em que mais da metade da população se reconhece como negra, os principais papeis dos pretos nas telenovelas eram os de empregados ou escravos. No país em que a população não se considera racista, o telejornal mais importante do país teve a primeira apresentadora negra após quase 50 anos de existência.
Anos depois, os descendentes dos negros encontraram na internet uma forma de tornar público todos os tipos de consequências adquiridas da ausência da ressocialização. Assuntos, como empoderamento, solidão da mulher negra, solidão do gay negro, entre outros, começaram a ser debatidos em rodas de conversas e movimentaram a opinião pública. A partir daí, uma discussão foi levantada: O Brasil é racista? Se olhar no espelho doeu. Ver que a imagem refletida não condiz com o que se vê na televisão, nas universidades e em grandes empresas trouxe uma resposta e inúmeras outras questões para a primeira delas.
Aquele garoto da Baixada Fluminense ainda não encontrou um espaço na caixa mágica. Mas está ocupando a internet para, quem sabe, tirar da imaginação o sonho de representatividade de outras gerações.
Marcos Furtado
Estudante de Jornalismo | IBMEC Rio
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