por Andressa Dantas, membro do Conselho Municipal de Políticas Culturais de Macaé (CMPCM), é graduanda em Produção Cultural na Universidade Federal Fluminense
Antes de começar a falar desse tema acho importante relatar minha história para que saibam em que lugar atuo e falo nesse momento. Sou uma mulher negra, de 21 anos, enquadrada como jovem (de acordo com o Estatuto de Juventude), filha de mãe preta, solteira, que se dedica a criar seus dois filhos com dificuldades, porém com muitos cuidados e amor. Graças a força de minha mãe preta pude me dedicar aos estudos por boa parte da minha infância e adolescência. Aos 13 anos conheci um rapaz nove anos mais velho. Ele me possibilitou tudo aquilo que minha mãe, por mais esforçada que fosse, não conseguiu. Daí tive a possibilidade de fazer um cursinho preparatório e estudar no Instituto Federal Fluminense (IFF), onde acreditava poder usufruir de uma melhor educação. Devido a base educacional incompleta, oriunda de escola pública, não me senti parte de um espaço como o IFF e não consegui concluir o ensino médio. Decidi trabalhar, ter experiências que não tive na “hora certa”, conhecer o mundo e nesse momento de descoberta conheci um universo incrível que foi a cultura Hip Hop.
Posso dizer que o Hip Hop me salvou, e continua me salvando a cada dia, sim o Hip Hop salva vidas. Foi através dele que conheci a pessoa que hoje é meu companheiro de vida e de militância. Foi ele e o Hip Hop que me incentivaram a estudar, terminar o ensino médio, cursar a graduação em produção cultural e me candidatar a conselheira no Conselho Municipal de políticas Culturais de Macaé (CMPCM) como representante da Cultura Urbana. Outra instituição importante nessa trajetória no CMPCM foi o projeto de mitigação de impacto ambiental da Petrobras o Núcleo de Educação Ambiental da Bacia de Campos (NEA-BC), onde fui bolsista de pesquisa por dois anos e que possibilitou o suporte técnico e financeiro para minha atuação no conselho.
O Movimento Hip Hop dentro do município de Macaé nunca teve suporte do poder público, costumamos dizer que sempre caminhamos com as nossas próprias pernas. Dizer que nunca tivemos atenção seria inverdade, pois tivemos, apenas da Polícia Militar, para acabar com as nossas intervenções culturais como faz desde sua criação. Até porque foi pra isso que ela foi criada, como toda arte que fala do povo preto e que evidencia suas demandas, e mostra sua cultura, fomos e ainda somos criminalizados. A cultura e arte do povo preto sempre resistiu e esse Pandemônio Coronavírus (Covid-19) veio pra evidenciar essa resistência.
Não só Hip Hop, mas todo o setor cultural no Brasil enfrenta dificuldades nesse momento e foi exatamente essas dificuldades que fizeram o conselho sair da inércia e agir para auxiliar os trabalhadores da cultura e espaços culturais que se afogam em dificuldades financeiras e até mesmo alimentícias. Criamos, no âmbito do conselho, o Grupo de Trabalho Emergencial Covid-19 que traçou estratégias para dialogar com o poder executivo e assim conseguir algum auxílio para a cultura macaense. Fizemos mapeamento dos trabalhadores e espaços culturais, suas demandas e peculiaridades, criamos as redes sociais para estar mais próximo de nossa base, fizemos audiência pública com o poder legislativo e tentamos, com bastante esforço, diálogo com o chefe do executivo. Entretanto, mais uma vez não fomos ouvidos.
Em paralelo a atuação do CMPCM existe uma articulação nacional pela elaboração e aprovação da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. Ela possibilitará a utilização de recursos oriundos do Fundo Nacional de Cultura por todos os Estados e Municípios da federação, para auxiliar nesse momento difícil os espaços culturais, as empresas que trabalham diretamente com cultura, sejam elas com ou sem fins lucrativos, e principalmente os trabalhadores da cultura, que enfrentam dificuldades nesse momento. A lei já foi aprovada na Câmara de deputados e no Senado federal com unanimidade e aguarda sanção do presidente da república.
Acreditamos que pela primeira vez em sua história, a cultura Hip Hop macaense será reconhecida pelo seu potencial. Seremos vistos como espaços e agentes culturais que tanto contribuíram para comunidade macaense. Principalmente, jovens pretos da favela, que como eu se sentem parte desse universo, tem suas habilidades e humanidade reconhecidas. Para reforçar a articulação com o poder executivo e possibilitar ainda mais a participação da sociedade civil e o controle social, realizaremos no dia 23 de junho a nossa 1º Web Conferência de Cultura de Macaé onde traçaremos juntos estratégias para implementação da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc.
E, por mais que eu enfrente dificuldades para diálogo nesse espaço (que ainda é elitista e majoritariamente branco), por mais que eu sofra muitas vezes do racismo estrutural, de machismo e até misoginia descaradamente e tenha minha fala invisibilizada por ser uma mulher negra e favelada, mesmo que isso mexa com a minha saúde mental, ainda sim tenho esperanças que seremos ouvidos, vistos e reconhecidos pelo poder público e pela sociedade macaense.
Sobre a autora:
Andressa Dantas ocupa a Cadeira de Cultura Urbana no Conselho Municipal de Políticas Culturais de Macaé (CMPCM), é graduanda em Produção Cultural na Universidade Federal Fluminense - campus Rio das Ostras e foi bolsista estagiária de pesquisa na Associação Raízes atuante no NEA-BC. Na produtora de audiovisual independente Terror do Interior é responsável pela elaboração e formatação de projetos culturais para pleitear editais com captação de recursos. Atuou também no Coletivo Urbano Buziano como diretora de mobilização e logística na organização de eventos como a Roda Cultural da Batalha do Quilombo e o 3° Encontro de Cultura Urbana da região.
Foto ilustrativa:
Comments