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Foto do escritorEquipe Laccops

Bicha, arte e resistência

por Thiago Fraga, produtor de audiovisual e mestrando no Programa de Pós Graduação em Mídia Cotidiano (PPGMC) na Universidade Federal Fluminense





“-Mas você nem parece bicha... Se não falasse, nem desconfiaria.” Escutar esta retórica ao compartilhar sobre minha sexualidade, por muitas vezes, sempre me questionou: o que diferencia o menino que descobriu sua sexualidade aos 10 anos e o jovem que assumiu sua sexualidade aos 18 anos? O menino que era julgado e xingado de “bicha” por gostar de brincar de boneca, por colecionar as figurinhas do álbum das Spice Girls e por dançar como as meninas do girl group de música pop britânica; e o jovem que ao assumir sua sexualidade carrega em suas costas todas as normas de uma sociedade heterossexista.

Descobrir-se “bicha” nos anos 1990 foi um desafio. Não bastava o impacto negativo que a epidemia do hiv/aids havia deixado sobre os homossexuais masculinos, não havia representatividade na mídia brasileira para uma criança do subúrbio carioca. Sou “bicha” assumido desde os meus 18 anos e, de certa forma, sempre atuei como ativista nos trabalhos em que executo profissionalmente, seja conversando sobre ser “bicha” e homofobia com colegas de trabalho ou pensando de que forma poderia contribuir com a diminuição da homofobia através das minhas vivências.

Vidarte (2019) entende a “bicha” com um sujeito político. Segundo o autor, a existência política da “bicha” nasce de uma posição de sujeito que luta. Uma posição de sujeito que surge de uma decisão voluntária, estratégica, conjuntural a partir de uma situação de opressão e injustiça dada. Afinal, ainda de acordo com o autor, não precisa ser nenhum intelectual para identificar a homofobia e, nesta condição, se converter de simples praticante de uma conduta sexual estereotipada a um verdadeiro sujeito político.

Já MacRae (2018) acredita que ao propor um novo personagem ao indivíduo “bicha”, representado como militante e consciente, busca-se esvaziar a palavra, bem como o conceito, de suas conotações negativas. Classificar-se como “bicha” tornou-se uma forma de assumir uma homossexualidade considerada mais “consciente” do que a dos entendidos e uma forma de obrigar a opinião pública a reconsiderar suas atitudes em relação à homossexualidade em geral. Outros apontam para os aspectos mais marginais e estigmatizantes do termo, concebendo a sua adoção como mais uma maneira de afrontar os valores hegemônicos. Ser “bicha” em uma sociedade heteronormativa, independente de sua identidade de gênero ou orientação sexual, é um constante desafio. Parece que não basta existir enquanto membro e parte do movimento LGBTQIAP+; e resistir passa a ser quase uma imposição.

A partir das vivências atravessadas em meu cotidiano de produtor executivo em audiovisual, alguns questionamentos se consolidaram, o que impulsionou, significativamente, a realização da pesquisa que, em tempos de pandemia e isolamento, chega à sua fase final. No próximo mês, defendo dissertação com pesquisa voltada a identidade e representação de indivíduos autointitulados “bichas” no cinema não ficção independente brasileiro. É uma forma de resistir em tempos tão difíceis.



Sobre o autor






Thiago Fraga é mestrando no Programa de Pós Graduação em Mídia Cotidiano (PPGMC) na Universidade Federal Fluminense. Integrante do grupo de pesquisa MULTIS/UFF (Núcleo de Estudos e Experimentações do Audiovisual e Multimídia). Atua como Produtor Executivo em Entretenimento e Audiovisual.


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