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Feminismos e Publicidade



Quais são as motivações que têm levado empresas e agências de Publicidade a investirem tantos esforços em campanhas com temática sobre demandas feministas? Essa pergunta nasceu a partir da observação de que a Publicidade vem desenvolvendo, com certa frequência, campanhas que exploram motes feministas para atingir públicos-alvo cada vez mais identificados e interessados pelo tema. Entretanto, essa mudança da Publicidade traz uma contradição relevante pois, o Feminismo, como ideário político, questiona a base do capitalismo. Já a Publicidade, por sua vez, é resultado do próprio sistema capitalista diante da necessidade de criar instrumentos capazes de persuadir as pessoas para aumentar o consumo de seus produtos industrializados.


O maior resultado ou consequência da atividade profissional publicitária é, portanto, a obtenção de lucros a quem os contrata, é fazer com que proprietários de meios produtivos possam, para além da exploração da força de trabalho, ainda incutir desejos que nunca foram em prol de um bem viver da população. A julgar pela sociedade que vivemos atualmente, onde o consumo de bens nos traz supostamente a felicidade, alivia as tristezas ou ainda celebra alguma pequena elevação social. Ou seja, é na atividade publicitária que os capitalistas se ancoram para explorar mão de obra e produzir cada vez mais lucro.


Em contrapartida, os novos movimentos sociais surgem com o propósito de dignificar a vida humana, unindo forças para combater as desigualdades sociais, étnicas, culturais ou quaisquer tipos de opressão que colocam um grupo social em desvantagem. Do ponto de vista da luta política empreendida pelo Feminismo, por meio de diversos movimentos existentes, cabe lembrar que seu propósito é justamente libertar as mulheres das inúmeras opressões construídas pelo patriarcado ao longo dos tempos e que ainda se mantém vivas na nossa realidade.


O Feminismo deseja ampliar direitos, quebrar paradigmas e, consequentemente, dignificar a vida das mulheres. O termo, inclusive, deveria ser usado no plural, diante a pluralidade que este movimento possui. Portanto, tais demandas feministas colidem frontalmente com as necessidades e com os reais propósitos do capitalismo. Basta uma rápida análise sobre as origens das opressões às mulheres e como elas se conectam com a realidade do sistema capitalista nos dias de hoje para perceber que não é possível dissociá-las.


A Publicidade busca se apropriar do feminismo vendendo produtos para mulheres fortes, livres, decididas, empoderadas e engajadas, onde em seus materiais haverá uma palavra precedida de uma #. Entretanto, esses valores são insuficientes e distantes das reais necessidades apresentadas pelos movimentos feministas. Ainda é problemático o conceito de empoderamento vendido pela Publicidade, assim como o termo engajamento que se traduz em números obtidos através de fluxos comunicacionais para a Publicidade, que não é a mesma interpretação do mesmo termo em relação às pessoas comprometidas com movimentos sociais. Assim sendo, para a Publicidade será o holofote midiático que determinará a construção discursiva do material publicitário, atualmente, sendo direcionado os movimentos sociais, haja vista, conforme matéria do jornal The Guardian em 2017, ativismo vende mais do que sexo. Para além, sempre haverá uma certa especificidade na escolha da demanda feminista que a Publicidade fará uso, sendo que nenhuma delas contra próprio sistema capitalista.


Por conseguinte, a emancipação plena da mulher não é exatamente o propósito do empresariado. Senão, vejamos: Querem os empresários que as mulheres ganhem o mesmo que os homens? Se sim, é trabalhada efetivamente essa política dentro de suas empresas? Querem os empresários criar condições para que mulheres-mães possam ter mais tranquilidade ao deixar suas crianças para irem trabalhar? Os empresários estão preocupados com amamentação, creche, duplas ou triplas jornadas? As empresas estão

preocupadas em garantir, em seus quadros de funcionários, a inserção de mulheres negras para contribuir com as mudanças estruturais das quais nossa sociedade racista necessita?


No briefing haverá o pedido uma campanha para empoderamento feminino. Apenas. O produto da campanha são camisetas para mulheres, com os dizeres "Feminism is all about everyone". Entretanto no briefing não estará escrito que esta camiseta foi confeccionada por uma boliviana, residente no Brasil, que ganhou alguns poucos centavos pela camiseta finalizada e que deixa seu filho embaixo da máquina de costura, porque não há quem possa cuidar desta criança. Mas será vendido pela Publicidade, que a empresa é comprometida com a causa feminista.


Samara Brochado

Publicitária

Professora da Universidade Castelo Branco | Campus Realengo, RJ

Doutorando em Mídia e Cotidiano pela UFF | Niterói, RJ

MA Science Communication pela UFP | Porto, Portugal

BA Social Communication 

 
 
 

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