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Foto do escritorEquipe Laccops

Séculos de Pandemia e genocídio

por Eduardo Galvão e Hugo Soares


Não é de hoje que as palavras “Violência” e “Pandemia” são conhecidas pelos povos indígenas. Desde a chegada das naus portuguesas em solos tupiniquins que os povos nativos da terra brasillis sofrem com a violência e as epidemias trazidas pelos nossos colonizadores. Uma das primeiras grandes epidemias aconteceu em 1554. "Com estes que fizemos cristãos saltou a morte de maneira que nos matou três Principais e muitos outros índios e índias" escreveu um jesuíta na época (Monteiro, 1995, p.21). O antropólogo Henry F. Dobyns definiu como “cataclismo biológico” o efeito das epidemias trazidas pelos invasores europeus nas populações ameríndias. Entre 1560 e 1563 surtos de sarampo e varíola atingiram as populações indígenas em São Vicente. Segundo Monteiro (1995), "os jesuítas temiam pela sobrevivência dos aldeamentos, frequentemente assolados por surtos e contágios". Em 1563, o padre baltasar Fernandes descreve com bastante espanto uma epidemia que atingia os aldeamentos. Entre 1562 e 1564, aldeias jesuítas da Bahia foram dizimadas por epidemias de varíola e sarampo. A aglomeração dos indígenas nos aldeamentos facilitou o contágio. Segundo Carneiro da Cunha (1994), as pessoas morriam sobretudo de fome e sede, já que, acometidas pela doença ao mesmo tempo, não havia quem pudesse servir comida aos doentes. Em conseqüência do contato com os portugueses, uma epidemia de varíola devastou o Alto Rio Negro em 1740, matando grande número de índios. É muito provável que ela tenha se alastrado por certas partes da região sem contato direto com os "brancos", por meio de tecidos e roupas de algodão.

Como se não bastasse o “cataclismo biológico” vivenciando ontem e hoje em sua história colonial, os povos indígenas do Brasil ainda enfrentam diferentes formas de “violência”. O “Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil - 2019” criado pelo Conselho Indigenista Missionário - CIMI, nos aponta três formas de violências praticadas contra os povos indígenas: A “violência contra o Patrimônio”, marcada pela omissão e morosidade na regularização de terras; conflitos relativos a direitos territoriais; invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio. A promessa de não demarcar um centímetro de terra indígena do atual governo da República vem sendo cumprida através do Ministério da Justiça, devolvendo 27 processos de demarcação à Fundação Nacional do Índio (Funai), no primeiro semestre de 2019, para que fossem revistos. A “Violência Contra a Pessoa”, que em grande medida, são as violências praticadas contra os indígenas e suas comunidades e que estão associadas à disputa pela terra. Podemos listar casos como: abuso de poder; ameaça de morte; ameaças várias; assassinatos; homicídio culposo; lesões corporais dolosas; racismo e discriminação étnico cultural; tentativa de assassinato; e violência sexual. E a “Violência por Omissão do Poder Público”, registrados através de suicídios em todo o país; aumento nos registros de “mortalidade na infância” (crianças de 0 a 5 anos); desassistência geral; desassistência na área de educação escolar indígena; desassistência na área de saúde; disseminação de bebida alcóolica e outras drogas; e morte por desassistência à saúde.

Fica evidente que o direito originário sobre suas terras e o seu bem-viver, assegurado como cláusula pétrea pelo Artigo 231 da Constituição, vem sendo estrategicamente violado pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, não apenas com a completa paralisação das demarcações das terras indígenas, mas também mediante a revisão e a anulação dos processos de reconhecimento dos nossos direitos territoriais. O intencional desmantelamento do órgão indigenista, a Funai, com reduções drásticas de orçamento, que inviabiliza o cumprimento das suas atribuições legais, especialmente no que toca a demarcação, fiscalização, licenciamento ambiental e proteção de povos isolados e de recente contato. Na mesma direção, foram extintos espaços importantes de participação e controle social, principalmente o Conselho Nacional da Política Indigenista (CNPI).

É neste contexto de hegemonia dos inimigos dos povos indígenas, em todos os poderes do Estado, que vem provocando o aumento da violência contra os povos indígenas e a criminalização de lideranças que estão na frente das lutas de defesa de seus direitos, situação agravada pelo desmonte das instituições que têm o dever constitucional de proteger e promover os direitos indígenas. Se continuarmos ignorando a história de “epidemias” e violências” sofridas por esses povos, estaremos assistindo e perpetuando o etnocídio e por conseguinte, o fim dos primeiros habitantes desse país chamado Brasil.


Sobre os autores;


Hugo Soares . Geógrafo pela UFF. Atualmente atua como Consultor Ambiental, Gerente/Assistente de Projetos e Professor de Geografia


Rafael Galvão. Geógrafo formado pela UFF. Atua há 15 anos junto aos povos indígenas da Amazônia. Atualmente trabalha como assessor indigenista na Associao Indígena Pykôre (AIP) do povo Kayapó-Mebengokre.


Bibliografia:


Carneiro da Cunha, Manuela (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, Secretaria Municipal de Cultura, FAPESP, 1992.

Farage, N. Santilli, P. Estado de sítio: territórios e identidades no vale do rio Branco in: Carneiro da Cunha, Manuela (org.). 1992. História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, Secretaria Municipal de Cultura, FAPESP, 1992.

Monteiro, John. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

Enciclopédia dos Povos Indígenas no Brasil (pib.socioambiental.org)

Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil Dados 2019 (cimi.org.br/observatorio-da-violencia)


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