A relação com a morte está inseria no cotidiano dos moradores de favela. Seja porque o mundo está atravessado por uma estrutura desequilibrada que se agrava em locais de vulnerabilidade, seja pela ausência do poder público que não garante proteção de maneira equânime para toda população. A discussão sobre desigualdade está alinhada aos movimentos sociais que lutam por uma cidadania mais igualitária almejando a conquista dos direitos civis, sociais e políticos, a exemplo das cotas raciais, das políticas afirmativas, do avanço do ensino de Comunicação Comunitária, entre outros.
Ao mesmo tempo que a luta avança por um lado, por outro lado, o retrocesso tem consequências letais. Ultimamente, vários episódios têm dado visibilidade internacional às mortes que atingem a população desprotegida no Brasil. Um deles foi o assassinato político de Marielle Franco e Anderson Gomes, que completou 1000 dias sem solução em 8/12/2020 e teve um forte impacto simbólico na batalha pela igualdade. Outro fato que vem avançando e interrompendo vidas da população fragilizada é o contexto pandêmico da COVID-19 em que estamos imersos.
De acordo com a mídia hegemônica, a questão da morte vem afetando a população mundial, sem discriminação de classe, gênero ou cor da pele. Mas se aproximarmos a lupa, parece que esta dinâmica discursiva, ainda opera na perspectiva da classe média. Basta observarmos as repetidas falas que giram no epicentro do isolamento social que, na vida real, é privilégio para poucos.
Na verdade, o avanço da pandemia é prenúncio de um genocídio dos mais pobres em larga escala e a desinformação vem contribuindo para um agravamento da letalidade coletiva que só aumenta com mais velocidade em zonas periféricas. Parte do agravamento desta situação se dá também pela desinformação construída pelo espalhamento de uma narrativa que desconsidera as peculiaridades da periferia. Ou seja, enquanto aS violênciaS avançam na vida prática, a COVID-19 que pode escalar a morte, não está sendo comunicada da forma correta, pois coloca todas as localidades no mesmo balaio.
Pensando nisso, nós, cinco pesquisadoras do LACCOPS, nos reunimos para tentar, através de uma campanha de Publicidade Social Afirmativa, informar os dados referentes à prevenção de morte, considerando as diferenças locais, a linguagem adequada para os públicos-alvo definidos para a campanha e a questão da representação. A ideia é realizarmos em duas etapas: após o relaxamento da primeira fase e na época da vacinação contra a COVID-19.
Para viabilização da campanha, decidimos estrategicamente usar duas redes sociotécnicas que podem ser acessadas de forma prática e veloz pelo celular: o Instagram e o whatsapp. Definimos dois objetivos centrais ligados aos dois públicos-alvo da campanha, com as peças em texto e imagem: favelas cariocas, a partir do jacarezinho e Instituições acadêmicas, a partir do LACCOPS.
Para a circulação entre as juventudes faveladas, priorizamos o WhatsApp, cuja comunicação foi espalhada pela agente local, que também é parte da equipe e consolidou a adaptação da linguagem. Além disso, disponibilizamos para download as artes no site do LACCOPS. Os jovens seriam os grandes atores do engajamento da campanha, espalhando essa mensagem para suas famílias, moradores do entorno, com fins de conscientizar as comunidades sobre os perigos da pandemia. Nosso objetivo secundário foi a divulgação da campanha com base numa comunicação institucional nas redes do laboratório para fomentar a discussão e contribuir com a problemática na academia, priorizando o Instagram.
O primeiro cuidado para construção da informação foi o levantamento de dados em Institutos, como o IBGE, por exemplo, na grande mídia e na mídia comunitária como o 'Vozes da Comunidade'. A partir daí fizemos a adaptação da linguagem e dos personagens, a partir de perfis de jovens moradores de favelas. Os integrantes do bonde de Passinho Imperadores da Dança foram inspiração para a criação das personagens e falas, graças a seu estilo e mobilização junto à juventude. A campanha foi veiculada através de cards com orientações e levantamentos estatísticos, enquanto um suporte a mais na prevenção ao COVID-19. na favela do Jacarezinho, com vias de ampliarmos num segundo momento.
Criamos personagens baseados em personas de diferentes idades, dando destaque aos jovens: três personagens mantiveram-se na faixa dos 12 aos 28 anos e outros três variaram na faixa de 30-40, 40-50 e mais de 60. Alinhamo-nos ao censo demográfico racial e índice de vulnerabilidade da COVID-19. e, por isso, todas as representações são negras em diferentes tons de pele, outro cuidado relevante da campanha. Avançando para a ambientação visual, todas e todos possuem roupas comuns, com acessórios inspirados em referências condizentes ao momento de pandemia: máscaras e a presença de álcool gel, representados por um traço mais orgânico para compor a identidade da campanha.
A direção de arte buscou incorporar camadas de representações sociais e de subjetividades por meio de composições dinâmicas com ilustrações, tipografia estilizada e texturas. As personas ilustradas representam os diferentes comportamentos e características demográficas da população em questão. Para uma representatividade eficaz, foram usados tipos, cores e texturas que remetem ao ambiente em que vivem. E para amplificar o impacto da linguagem adaptada aos textos, optou-se pela tipografia despojada no estilo grafite, que é geralmente utilizado como crítica social em espaços públicos.
No fim das contas, nós, cinco mulheres de origens, idades e realidades diferentes temos um comum como eixo: acreditamos na Publicidade Social como potência Afirmativa #pelavida. Dentro de nosso ofício, decidimos juntas cuidar #davida.
Autoras
Patrícia Saldanha (Coordenadora da Campanha, Redação);
Andréa Heckser (Diretora de Arte);
Diana Anastácia (Agente Local, Adaptação de Linguagem);
Ana Carolina Esteves (Ilustração);
Carolina Saldanha (Estratégia Digital)
Comentarii