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Foto do escritorEquipe Laccops

Onde Esta O Racismo que Ninguém Vê? A descolonização de saberes pela cena contemporânea na educação

Por Debora Restum, atriz, historiadora, professora de artes cênicas na Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, Mestre em Teatro pela UNI-RIO.


A representatividade negra contribui para uma nova leitura e organização da sociedade. Torna-se pauta urgente o combate às narrativas que reafirmem a associação do negro a estereótipos silenciados, subjugados e violentados. As leis 10.639/03 e 11.645/08 tornam obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas.

O espaço da educação básica é terreno fértil ao propor diálogos e reflexões que venham a problematizar o racismo estruturado em nossas ações cotidianas naturalizadas. A descolonização do sujeito negro ao ser recolocado em um percurso cultural amplo, age onde a escravidão não preenche a centralidade sua trajetória histórica, na possibilidade de ocupar espaços, protagonizar percursos e ser ouvido em ambiente escolar.

Tendo como anseios temáticos o racismo estrutural e anseios estéticos as teatralidades contemporâneas foram realizadas provocações poéticas que viessem a conduzir o desenvolvimento de um espetáculo teatral contemporâneo que abordasse os diversos casos de racismos debatidos em salas de aula na disciplina Artes Cênicas com alunos do 9° ano da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro.

As teatralidades contemporâneas possibilitam que o trabalho cênico desenvolvido privilegie o processo, a presença, a performance, o acesso as diversas linguagens, onde vida e arte se mesclam no instante da experiência cênica. As ações artísticas desenvolvidas foram: ação coreográfica, ação poética, ação imagética, ação documental, ação dramatúrgica, ação narrativa e ação performática. Nas palavras de Fernandes "na emancipação progressiva de seus elementos, a teatralidade deixa de ser uma unidade orgânica prescrita a priori, para se tornar uma polifonia significante" ( FERNANDES,2013,p.120-121).

O espetáculo é um poema cênico coletivo, onde a cena contemporânea realiza uma interrogação e o nome dado ao espetáculo é Onde esta o Racismo que Ninguém Vê?

A primeira cena reproduz os alunos entrando no palco pela plateia ao som do samba enredo 100 Anos de Liberdade, Realidade ou Ilusão praticando capoeira.

A segunda cena foi desenvolvida a partir da construção coletiva com os alunos, mesclando o poema Navio Negreiro de Castro Alves e uma poesia da poetisa negra da Cidade de Deus, Gleyser Ferreira, sobre a violência sofrida pela mulher negra na sociedade e publicado no livro Poesia de Esquina. A cena foi composta por meninas negras, acorrentadas entre si, simulando um navio negreiro contemporâneo, ao som do atabaque.

Durante o evento na unidade escolar a poetisa foi à escola e conversou com os alunos sobre representatividade e produção cultural local. A Gleyser além de poetisa é produtora cultura responsável pelo Cine Taquara, coletivo negro cineclubista itinerante na região da Taquara.

A terceira cena foi a imagética, com imagens trazidas pelos alunos representando o racismo em nosso cotidiano. A quarta cena foi documental-relacional, onde os alunos relatavam em cena um caso real de racismo sofrido por alguém próximo com alguma relação afetiva consolidada. A aluna contou a história de sua mãe na primeira pessoa, que foi adotada quando criança, tornando se empregada doméstica da família que a adotou. A quinta cena foi dramática, relatando de forma realista uma cena de entrevista de emprego, onde o candidato mais qualificado perde a vaga de emprego por racismo, sendo ironizado por ter cursado graduação por ingresso garantido por cotas raciais. O candidato branco ocupa a vaga e recebe um tratamento diferenciado pelo entrevistador. A cena foi construída de forma colaborativa em sala de aula e a temática foi proposta pela turma. A sexta cena foi a narrativa. Os alunos escolheram o agente educador da escola, um senhor negro e muito respeitado pelos alunos, para interpretar o Griot1 (GELEDES, 2019) da unidade escolar, contanto relatos de alunos e professores negros que tiveram histórias de protagonismo na sociedade.

A última cena foi performática. Um desfile com professores, alunos, funcionários, merendeiras e agentes da limpeza, para reafirmar o protagonismo negro em cena ao som de Mundo Negro, Ilê Ayé, do Rappa.

Após a apresentação de Onde Está o Racismo que Ninguém Vê, foi percebido que a temática percorreu toda a escola, visto que o racismo era algo recorrente, principalmente entre as alunas, que eram chamadas pelos alunos pejorativamente de " pão careca". Segundo os alunos, "pão careca" seriam meninas negras de cabelos curtos. Após a culminância os alunos negros apresentaram maior protagonismo em suas ações cotidianas e diálogos. E a comunidade escolar foi afetada ao reproduzir um novo olhar para as questões abordadas em sala de aula, no palco e na platéia.






Referências:


FERNANDES, Sílvia. Teatralidades Contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 2013.


GRIOTS, os contadores de histórias da África Antiga. Portal Geledés, em 23 de Maio de 2019. https://www.geledes.org.br/griots-os-contadores-de-historias-da-africa-antiga/.Acesso em 25/05/2020


Nota: Contadores de histórias, mensageiros oficiais, guardiões de tradições milenares: todos esses termos caracterizam o papel dos Griots, que na África Antiga eram responsáveis por firmar transações comerciais entre os impérios e comunidades e passar aos jovens ensinamentos culturais, sendo hoje em dia a prova viva da força da tradição oral entre os povos africanos.(GELEDES, 2019)







Biografia do autor:

Debora Restum é Artista.Professora de Artes Cênicas na Prefeitura do Rio de Janeiro. Mestre em Ensino de Teatro pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro com a pesquisa sobre Teatro Contemporâneo na Educação Pública. Possui Pós Graduação em História e Cultura no Brasil pela Universidade Gama Filho. Possui licenciatura em Artes Cênicas e História. Qualificação em Produção Cultural pelo SESC. Experiência na área de Artes, Educação e Cultura..




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