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Representatividade: a parte que nos cabe no lugar da invisibilidade


por Evandro Luiz da Conceição, mestrando em Comunicação e Cultura pela ECO/PÓS/UFRJ.


Os 14 anos de gestões petistas trouxeram mudanças profundas na sociedade brasileira no que tange reparação racial, social com a democratização do acesso a oportunidades por meio das ações afirmativas.

Neste horizonte que se apresenta, apesar dos esforços do poder público em resposta às décadas de lutas e articulações do Movimento Negro, ainda existe uma longa caminhada rumo à construção de uma sociedade brasileira justa e igualitária. Sabemos que não é nada fácil derrubar em uma década e meia os muros da desigualdade construídos sobre uma base racista e escravocrata durante séculos em nosso país. Nossa chegada nas universidades não é um fenômeno recente, como se alardeia freqüentemente.

Sempre estivemos lá. A diferença é que antes estávamos na faxina, na portaria e no balcão das cantinas. A diferença é que agora assistimos às aulas, estamos construindo saberes, movendo estruturas e muitos de nós, nos tornando mestres e doutores.

Se antes fomos silenciados nas nossas crenças e ancestralidade, nos nossos nomes, vozes, corpos, nas nossas histórias e narrativas, os tempos presentes são de resistência ao racismo estrutural e de enfrentamento ao genocídio da população jovem negra periférica, dispositivo potente de um holocausto brasileiro chancelado pelo poder público e por meio de uma política belicosa de segurança pública que visa o extermínio.

De acordo com denúncia da Anistia Internacional[1], a cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. O adolescente João Pedro, de 14 anos, morador da comunidade em São Gonçalo, município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, foi morto dentro de casa enquanto brincava com os primos. O estudante Rodrigo Cerqueira, de 19 anos, morreu baleado por policiais enquanto ajudava a distribuir cestas básicas para moradores do Morro da Providência, uma das favelas mais antigas do país. O que estas duas execuções no espaço de uma semana em áreas desassistidas do Estado nos dizem?

As balas têm endereço, alvo, raça, gênero e faixa etária e segundo o Atlas da Violência[2], de cada 100 assassinatos cometidos no Brasil em 2017, 71 eram contra negros, homens, jovens e de baixa escolaridade. Nos Estados Unidos, o Black Lives Matters, movimento ativista com base nas comunidades afro-americanas tem se articulado em protestos contra a violência e a morte de negros provocadas por policiais, questão que está pautando os debates acadêmicos, a produção fonográfica e o audiovisual.

O genocídio da população jovem negra já foi abordado nas séries Seven Seconds, How to Get way with Murder, Scandal e Greys Anatomy, as três últimas assinadas pela roteirista, cineasta e produtora Shonda Rhimes. O encarceramento em massa da população negra norte-americana – um problema que também nos atinge – como um projeto político de extermínio é delineado em duas produções assinadas por Ava DuVerney: 13ª Emenda e “Olhos que condenam”, ambas baseadas em dados e fatos de uma realidade cruel e constante ameaça que rondam cidadãos afroamericanos.

E por falar no mercado do audiovisual norte-americano e sua capacidade política de potencializar vozes, por aqui os tempos são de mudanças urgentes. Nunca se fez tão necessário falar sobre representatividade.

A luz vermelha se acendeu quando uma pesquisa sobre raça, gênero e diversidade no cinema nacional encomendada pelo ANCINE[3] revelou que o cinema brasileiro é feito a rigor por homens brancos. Com uma população composta majoritariamente por pretos e pardos – mais de 50% de acordo com último levantamento do IBGE[4] – esta diversidade ainda não se reflete nas telas nem nos bastidores das produções nacionais.

Para o escritor e roteirista Paulo Lins, autor de “Cidade de Deus”, “Desde que o samba é samba” e “Cidade dos homens”, nós, negros brasileiros, não temos herança em bens, não herdamos propriedades, nossa herança é cultural e neste sentido, a literatura e o audiovisual são importantes canais de difusão das nossas narrativas.

Sim, queremos falar através da estética audiovisual de nossos incômodos, das feridas abertas e tanto nos dói da raiz do cabelo até a sola dos pés. Mas também desejamos, dentro deste espaço de construção, poder falar de nossas potências, de nossos polifonias e desejos de devir que tanto nos movem. E nesta narrativa do sonho e da emancipação para mover as estruturas, somos nós por nós mesmos.

Sobre o autor:


Evandro é jornalista, escritor e mestrando em Comunicação e Cultura pela ECO/PÓS/UFRJ.



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